A todos os pais com apenas um filho terá sido dito, pelo menos uma vez, que a criança se tornará mais mimada, egoísta ou narcisista. Ou até que seja insegura, tímida e fechada. Por outro lado, também não falta quem afirme que o único filho vive uma infância melhor e está destinado a ter mais sucesso na vida. Quem está certo? Ninguém. Felizmente a realidade é muito mais complexa que os estereótipos, que com a ajuda de especialistas, tentamos quebrar de uma vez por todas![1]
1. SEMPRE MIMADO
O primeiro cliché (talvez entre os mais disseminados) é que o filho único seja "sempre" mais mimado ou egoísta. Não é verdade. Antes de mais «não existe nenhum estudo ou evidência científica que possa demonstrar esta convicção», afirma Alessandra Bortolotti, psicóloga perinatal, autora do livro «E se poi prende il vizio?[2]».
O comportamento da criança de facto muda com base nas suas relações e no ambiente que a envolve. Se um filho único é mimado não depende, portanto, da falta de irmãs e irmãos. Aliás, aquilo que pode fazer a diferença é o tipo de relação que a criança desenvolve com os pais, com as figuras de referência e o contexto em que vive.
Por outras palavras, para dizê-lo com uma metáfora: como num grande puzzle, é a combinação de todas as peças que compõe as nuances do desenho, não uma única peça. Aquilo que conta é o comportamento dos pais para com a criança. Estar presentes, amáveis, respondendo de maneira adequada às suas necessidades (pegando-lhe ao colo, tranquilizando-a, entendendo os seus sinais de desconforto), certamente não significa que se está a estragar a criança com mimos. Neste ponto, actualmente, todos os especialistas estão de acordo.
É diferente o caso, por exemplo, em que o adulto cede aos protestos da criança de três anos e a deixa estar em frente à TV até às 23. Nesta situação, bastante típica, o termo "mimado" (usado frequentemente de maneira imprópria) parece, talvez, um pouco adequado, mas a "culpa" não é da criança. A responsabilidade maior cabe ao progenitor.
Nesta faixa etária, é indispensável dar à criança 3 ou 4 regras e estabelecer rotinas quotidianas. Certamente, ir para a cama a uma hora "certa", mesmo que seja motivo de grandes conflitos, não conta como algo "negociável".
Mais atenção e tempo, não significa mais "vícios".
«Se uma família tem uma criança única, investe todas as energias afectivas e sentimentais nessa criança», diz a psicóloga Bortolotti. Mas isto não incide "negativamente" sobre sua personalidade: o filho único não recebe "demasiado" afecto relativamente a quem pertença a uma família mais numerosa.
A esfera emotiva não é algo que se possa medir a "peso" ou dividir, de maneira diferente, entre um ou mais filhos. Na verdade, se as crianças em casa forem duas ou três, «os progenitores puxam sempre por outras energias», afirma Bortolotti.
Uma vantagem, por outro lado, evidente, sobretudo a nível prático para a criança é o tempo e a disposição dos pais. «Certamente, as oportunidades para partilhar experiências e actividades quotidianas são maiores se o filho for um», diz a psicóloga.
Na mesma linha, Barbara Fulva Bobba, neuropsiquiatra infantil, acrescenta: «Necessariamente, a gestão do tempo é diferente quando se tem um filho ou quando se tem três. Se, por exemplo, muito banalmente, cair uma bola, o progenitor pega nela imediatamente e continua a brincar com a criança. Mas isto não é um vício.
No caso de dois gémeos, ao invés, um dos dois deverá obrigatoriamente esperar».
2. INSEGURO E TÍMIDO
Outro cliché sobre os filhos únicos é que são mais inseguros e tímidos em comparação com os que têm irmãos e irmãs. A atitude menos segura de uma criança depende, ao invés, em grande medida de como vive a relação com a família, sendo um filho único ou não. Se uma criança experimenta o mundo à sua volta serenamente, significa que percebe o progenitor como um porto seguro do qual se pode afastar para depois regressar.
Segundo a teoria da vinculação do psicólogo e psicanalista John Bolwby, uma boa relação com o adulto (em inglês, o caregiver, que cuida da criança) é indispensável para ter uma "base segura" no decorrer do crescimento.
Segundo esta perspectiva, o progenitor instila segurança e "nutre" a auto-estima da criança, favorecendo o seu percurso gradual em direcção à autonomia. A função tranquilizadora do adulto não muda com base no número de filhos.
3. SEMPRE SOZINHO
A convicção de que o filho único cresce sozinho e isolado porque não tem irmãos nem irmãs não tem qualquer fundamento "objectivo" e universal. Uma família não deverá certamente sentir-se "obrigada" a fazer outro filho para dar companhia ao primogénito!
A verdadeira questão é a organização familiar, o contexto no qual a criança cresce e a rede de relações que os pais mantêm com parentes, amigos, conhecidos com filhos (mesmo que de idades diferentes).
A menos que a criança passe o tempo todo fechada em casa, em frente à TV ou a qualquer jogo, as ocasiões de encontros existem. Basta, de qualquer maneira, criá-las: no parque, na biblioteca ou até no pátio em casa.
Na creche, na escola de educação infantil, se os pais fizerem essa escolha, mas também antes, durante uma caminhada ou brincando nos jardins, a criança pode desenvolver um relacionamento com seus pares.
Na idade pré-escolar, quando a criança não pode ainda "sair sozinha", muito depende da família, da capacidade de ouvir e de respeitar as exigências do ilho. E não é sequer necessário fazer "milagres", normalmente esses não são precisos, basta (quase sempre) pôr-se na pele da criança e pensar nos seus direitos (o jogo também é um direito, não nos esqueçamos!). Seja filho único ou não.
4. SUPER PROTEGIDO
Quando o filho é único, a família, frequentemente, tende a ser mais protetiva: é um risco bastante difundido, contudo também neste caso não é uma norma rígida. Parece que as crianças estejam constantemente no meio de mil perigos, mas no fundo não é assim: cada criança em idade pré-escolar aprende a "mover-se" no espaço e é mesmo experimentando que melhora, a olho nu, as suas capacidades psicomotoras.
Aquilo que conta, segundo Alessandra Bortolotti, é recordar uma famosa frase da Montessori: «Ajudem-me a fazer sozinho». No vasto percurso em direcção à autonomia, em suma, cada criança cai… e depois ergue-se e adquire uma nova competência.
O desejo de proteger demasiado a criança traz o risco de limitar as suas experiências, por isso a família deve esforçar-se por dissolver a ansiedade, dando espaço e confiança à criança.
5. O MAIOR
Cada criança é única e demonstra, com o tempo, inclinações e talentos que o progenitor deverá apoiar, ajudando-a a exprimir as suas potencialidades o melhor possível. Mas isto não significa que o filho único seja melhor do que os que crescem numa família numerosa, ou que tenha mais probabilidades de suceder.
Aquilo que ao invés acontece frequentemente, é que a família "empurra" demasiado a criança a desenvolver essas competências que considera fundamentais.
Segundo a neuropsiquiatra infantil Barbara Fulva Bobba, o filho único frequentemente encontra-se no centro de todas as aspirações dos progenitores e, neste sentido, deve responder a uma bagagem mais pesada de expectativas por parte dos pais.
«Se um progenitor tem mais filhos, por exemplo, está contente e sente-se sortudo porque um é bom no desporto e o outro na matemática, coisas que considera importantes, ao passo que se o filho for único, as expectativas caem inteiramente sobre ele», afirma a especialista.
Essencialmente, o adulto deverá fazer um esforço para reconhecer as características da criança, apoiando-a nas suas aspirações e habilidades, mas evitando passar-lhe a ideia de "ser o maior" em cada coisa. Sobretudo em tudo aquilo que pareça mais interessante para os pais do que para a criança. Cada criança é diferente e única, tenha esta irmãos ou não.
No final, para Alessandra Bortolotti é importante ter bem em conta que o progenitor relaciona-se e mede-se com "aquele" filho, independentemente de ser filho único ou não.
Cada criança, tenha esta irmãos ou não, retira coisas diferentes do adulto, e manifesta a sua unicidade, a sua natureza irrepetível e diferente que deverá ser sempre respeitada e ouvida.
[1] Escrito pela jornalista e pedagogista Marzia Rubega e traduzido por Crianças Independentes.
[2]“E se depois tomar o hábito?” N.T.
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